IA vai gerar novas possibilidades profissionais para pessoas capazes de criar soluções dinâmicas

IA vai gerar novas possibilidades profissionais para pessoas capazes de criar soluções dinâmicas

Por Ricardo Figueira*
 

Expandir, acelerar e depurar qualquer coisa em escala ilimitada. É isso que a Inteligência Artificial é capaz de fazer e eu ouso dizer que a Inteligência Artificial é tudo isso, menos inteligente. Isso quer dizer que realizar tudo isso sem inteligência é um perigo gigante, mas dá para fazê-lo com inteligência. Essa é a verdade de um pensamento que venho evoluindo por muito tempo, ao desenvolver e qualificar “inteligências artificiais” na minha vida.

Desde que essa tecnologia ganhou as pautas da atualidade, eu confesso que já vi muita gente pensando que a ferramenta teria a capacidade de gerir uma companhia ou mesmo substituir funções humanas, mas, na verdade, ela nada mais é do que uma máquina de operação lógica binária com escala, e a única forma dela assimilar qualquer ponderação crítica é adotando previamente critério de pessoas. A lógica apenas binária é muito primitiva quando comparada à lógica humana, social, empresarial ou até mesmo quando comparada à lógica do instinto de sobrevivência que hackeia todas as outras lógicas para proteger a vida de um indivíduo.

A Inteligência Artificial se qualifica ao ser desenhada e treinada por pessoas, e isso faz com que elas estejam diretamente ligadas ao viés de quem a programa, de suas crenças, da sua sensibilidade, do julgamento e da sua forma de pensar. Por isso, é preciso que as empresas observem esse ponto com muito cuidado, pois no fim do dia, é isso que ganha escala.

Empresarialmente é preciso ponderar uma IA em dimensões de propósito, arbítrio, critério, ambição e consequências. E tenho percebido desde o começo na minha experiência com IA que qualificar a interpretação na ferramenta é fundamental.

Ricardo Figueira é CCO da FigTree

Ricardo Figueira é CCO da FigTree.


Para uma IA ser útil ao ser requisitada numa situação delicada, ela precisa já estar preparada para agir considerando uma série de julgamentos simultâneos. E isso só é possível se essas ponderações forem construídas com sensibilidade e empatia humana. O raciocínio de tratamento cultural, emocional, funcional e contextual com uma ponderação ampla e nuances são fundamentais para tornar de fato a IA funcional. Por isso, sempre digo que, ao invés de Inteligência Artificial, se chamássemos a tecnologia de “Lógica Artificial” seríamos mais coerentes e provavelmente assumiríamos mais naturalmente a responsabilidade do design da IA como uma atividade mais humana e interdisciplinar com muito mais eficiência.


Há muitos anos eu desenvolvo “prompts” de IA. Prompts são interfaces de diálogo que predizem todos os cenários, seja, de frustração, conquistas, curiosidades e interesses que levam as pessoas a solicitar algo.

Durante minha trajetória nesse universo, um dia uma empresa de Seguros me perguntou: ‘Se a pessoa bater o carro, como ela aciona o seguro através da IA?’ Meu pensamento imediato foi primeiro negar o botão escrito ‘ativar sinistro’, desenhado por alguém na lousa daquela sala, afinal, quem merece um palavrão desses nessa hora? O modelo mental necessário de uma interação dessa natureza é auxiliar alguém num momento difícil, com um atendimento realmente humanizado e aproveitando os recursos do ecossistema que envolvem a situação. Tudo começa com uma intenção verdadeira de saber se a pessoa está bem ou precisa de ajuda, identificando o local do acidente via GPS, caso seja necessário mandar uma ambulância ou mesmo um guincho, e por aí vai.

Durante a execução desse projeto descobrimos que uma montadora brasileira, desde 2014, já fabricava carros com IA interno de fábrica, registrando o local do acidente, velocidade, quantos cintos de segurança estavam afivelados e quantos airbags foram ativados no acidente captado pelo movimento brusco. A IA mandava automaticamente um pacote de informações para a montadora e uma ligação era ativada solicitando uma ambulância do SAMU caso julgasse necessário. O incrível é que nem o departamento de vendas dessa montadora sabia disso. Criar essa jornada inovadora só foi possível porque existia um olhar crítico humano.


Agora imagine que, hoje em dia, todos os carros possuem diagnósticos remotos de todas as suas partes. Com isso ninguém mais precisaria ter o seu dia a dia interrompido com a surpresa de problemas ordinários, como pneu furado ou bateria descarregada, etc. Um seguro ou um serviço de suporte de outra natureza conectado automaticamente já cuidaria disso, antes mesmo de você perceber o ocorrido.


Mesmo em IA, o pensamento de jornadas também precisa evoluir para experiências inovadoras, gerando assim novas possibilidades. A inteligência e a ambição de inovar uma jornada é a única coisa que nunca será substituída pela tecnologia, o humano sempre precisará definir como esses recursos podem suprir as necessidades na vida das pessoas, porque é isso que no fim do dia faz a diferença.

Muito recentemente o mundo conheceu a GPT, a IA mais famosa do momento. Com ele nasceu uma verdadeira revolução: a cognitiva. Porque ela é capaz de articular e entender com muita precisão o que as pessoas pedem, eliminando a inaptidão e às vezes até a falta de empatia que tanto distancia os segmentos mais técnicos dos seus clientes.
 

Essa revolução resolve uma boa parte da vida das empresas, mas elas ainda vão precisar articular a sensibilidade, os atributos e a elasticidade das suas soluções, para que então a GPT, ou qualquer outra IA, possa conectar solicitações com soluções preparadas em bases e redes. Isso é o velho e simples “If this, than that” (“Se isso, então aquilo”, em tradução livre). São os humanos que vão ter que desenvolver as conexões sobre o que uma empresa oferece e o que é identificado via GPT ou qualquer outro Prompt. É preciso profissionais com forte sensibilidade cognitiva, criatividade interdisciplinar e visão estratégica para evoluir o uso da IA como serviço.
 

Por fim, é importante dizer que o Brasil é um país muito criativo. Se por um lado a IA vai gerar novas possibilidades profissionais para pessoas capazes de criar soluções dinâmicas, mesmo sem saber programar, por outro as pessoas que possuem apenas conhecimento básico como oferta de trabalho podem ser bastante impactadas com as consequências da popularização da IA.


Mas não é a primeira e nem será a última vez que a tecnologia provocará esse tipo de impacto na sociedade, mas também surgem inúmeras oportunidades para as empresas valorizarem a sensibilidade humana.


Isso me lembra uma conversa de 20 anos atrás, em Chicago, com Bruce Tognazzini, um dos inventores da primeira interface Apple. Durante uma discussão nossa sobre a reinvenção do ônibus escolar, a sugestão dele foi deixar de lado uma série de iniciativas tecnológicas mega complexas que uma máquina nunca teria capacidade de realizar de maneira bem feita e incorporar no projeto uma ‘rodomoça’ humana para cuidar de crianças. Sem dúvida, para questões realmente humanas a melhor solução ainda é a humana, seja passando por uma máquina ou não.

O fato é que tudo deve ser bem ponderado em cada decisão sobre IA, seja numa decisão de trabalho ou uma regulamentação legal quanto às responsabilidades.
 

E a responsabilidade é muito fácil dizer que é de todos, mas, como tudo que é de todos não é de ninguém, eu prefiro dizer que a responsabilidade é de cada um envolvido desde onde começa até aonde vai esse processo. Pois no final das contas, tudo isso só vale a pena se for para melhorar as nossas vidas, e é fundamental que as nossas vidas sejam baseadas em decisões verdadeiramente inteligentes e não artificiais, seja no nível individual, ou em escala.
 

* Ricardo Figueira é CCO da FigTree.